Friday, October 21, 2005

Sarabande de Ingmar Bergman

Ingmar Bergman, Bach, Liv Ulmman e Erland Josephson em um mesmo filme? O blog fechado até a estréia.

Thursday, October 20, 2005

Camões

Ananke, “o-que-tem-que-ser”
(Camões em ''Os Lusíadas'')
Oh! Grandes e gravíssimos perigos,
Oh! Caminho de vida nunca certo
Onde pode acolher-se
um fraco humano
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne
o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?

Ungaretti e Montale

(Ungaretti)

Cessate d'uccidere i morti,
Non gridate più, non gridate
Se li volete ancora udire,
Se sperate di non perire.
Hanno l'impercettibile sussurro,
Non fanno più rumore
Del crescere dell'erba,
Lieta dove non passa l'uomo.

(Montale)

Vedi, in questi silenzi in cui le cose
s'abbandonano e sembrano vicine
a tradire il loro ultimo segreto,
talora ci si aspetta

di scoprire uno sbaglio di Natura,
il punto morto del mondo, l'anello che non tiene,
il filo da disbrogliare che finalmente ci metta
nel mezzo di una verità.

Thursday, October 13, 2005

Millôr Fernandes, o único jornalista gênio, me responde?

Como você diz, Millôr, a ignorância de Lula lhe subiu a cabeça. Ele, que morreu na plenitude pois conseguiu encaixar um Poder-se-ia em discurso - o que vinha sonhando desde que assumiu. Ele que se acha mais Deus que FHC, pois esse se achava mais FHC que Deus. Pois bem. No céu, Lula, Raymundo Faoro, Celso Furtado, Barbosa Lima Sobrinho e Miguel Arraes foram tomar um café da manhã sobre o programa do Governo de Deus Lula no céu. Quem roubou os biscoitinhos antes que todos se pusessem à mesa?

Monday, October 10, 2005

Da morte egoísta que desnuda o mundo

Bob Dylan Time Out of Mind

Bob Dylan, provavelmente, é o ser mais egoísta que existe; assentada essa afirmação, deve-se considerar a inabalável verdade: só o que lhe toca, ele passa para suas caudalosas canções. Mas, destarte na sua biografia Chronicles ele deixar claro que é bem menos político do que lhe imputam, ele também deu ao mundo diversas canções libelos. Mas, Time Out of Mind é o cd em que ele pescruta os caminhos tortuosos de seus raríssimos álbuns perfeitos, nele esnoba e exagera na capacidade de cuspir em nós canções em que ele e seu fiapo de voz - mas com talento genial de interpretação - parece sempre dizer ''a letra está aqui e levo essa melodia onde quiser, mas caso-a perfeitamente com a letra''.

Em meio a dezenas de canções lamento, de amores atormentados, relações desfalecidas, ele compôs coisas como Masters of War, Blowin in the Wind, Like a Rolling Stone e outras gemas que dissecaram a sociedade e o tempo político onde cimentou a grande fase de sua criação, ali por Highway 61 Revisited e Blonde on Blonde. Dylan é mais genial, no entanto, quando prega da cadeira de seu reino, não quando visita fronts externos e bandeiras universais. O Blood on the Tracks é, inquestionavelmente, o disco de suas mais geniais canções.

Ao trabalhar temas de incomunicação, morte, amor, destino, Dylan expurgava o fim de seu casamento e de forma única, erigiu blocos sonoros ao mesmo tempo dilacerados enquanto experiência e faixas indestrutíveis enquanto canções. Em Time Out of Mind, dá-se o mesmo traço de brilhantismo, mas como usual em seus melhores álbuns, Dylan não obteve unanimidade de público e crítica.Os melhores álbuns apontados por estes sempre foram os já citados Blonde on Blonde e o Highway 61 Revisited.

Eu considero mais certeiros e acurados os álbuns Infidels, Blood on the Tracks e esta obra-prima que é o Time out of Mind. O fanhoso, assim como Chico Buarque, é um dos maiores interprétes de todos os tempos. ''Sou quase um Caruso, canto tanto quanto ele'', disse uma vez. E não só a voz como toda a engendragem e sons do trabalho mais genial do bardo servem a uma atmosfera difícil e pessimista, num manifesto genial da inquietação e mal estar de um indivíduo e do mundo, estes um só corpo dolorido, indisssociáveis.

Os sons são fantasmagóricos, uma guitarra que desenha algo no ar, sai e dá lugar a uma bateria por vezes moribunda e noutras sutil, uma voz ineditamente mais nítida, tudo a serviço da coleção de mortais faixas do cd. O som de uma tarde instantaneamente irrompida por uma tempestade que vai se esguiando pelo resto dos dias teria a trilha sonora com o Time Out of Mind. Seja a amante que o deixou ou a busca de redenção mesmo que em morte, as letras de Dylan emolduram um som que prenuncia apenas o fim, mesmo que reconheça que ainda não está escuro, mas vai ficar.

Saturday, October 08, 2005

Bob ''Deus'' Dylan - A Simple Twist of Fate

They sat together in the park
As the evening sky grew dark,
She looked at him and he felt a spark tingle to his bones.
'Twas then he felt alone and wished that he'd gone straight
And watched out for a simple twist of fate.

They walked along by the old canal
A little confused,
I remember well
And stopped into a strange hotel with a neon burnin' bright.
He felt the heat of the night hit him like a freight train
Moving with a simple twist of fate.

A saxophone someplace far off played
As she was walkin' by the arcade
As the light bust through a beat-up shade where he was wakin' up
She dropped a coin into the cup of a blind man at the gate
And forgot about a simple twist of fate.

He woke up, the room was bare
He didn't see her anywhere
He told himself he didn't carepushed the window open wide
Felt an emptiness inside to which he just could not relate
Brought on by a simple twist of fate.

He hears the ticking of the clocks
And walks along with a parrot that talks
Hunts her down by the waterfront docks
where the sailers all come in
Maybe she'll pick him out againhow long must he wait

Once more for a simple twist of fate
People tell me it's a sinTo know and feel too much within
I still believe she was my twin, but I lost the ring
She was born in spring but I was born too late
Blame it on a simple twist of fate.

Paixões de adolescência

O Globo 08/10/2005 - 11h24
Carla Camurati promove festival de cinema infantil em Minas

BELO HORIZONTE - O 3º Festival Internacional de Cinema Infantil traz a Belo Horizonte, a cineasta Carla Camurati, diretora do evento junto com Carla Esperança. Os filmes, que entraram em cartaz nessa sexta, dia 7, serão exibidos até dia 16 de outubro, no Cinemark Pátio Savassi. O evento é itinerante e percorre dez cidades brasileiras, levando à população filmes de diversas nacionalidades. No terceiro ano do festival, o homenageado é Maurício de Souza, desenhista brasileiro reconhecido por sua obra dedicada ao público infantil. "Cinegibi, o filme - Turma da Mônica" estará em cartaz em todos os dias da programação. O festival, único evento nacional de cinema dedicado às crianças, é realizado pela Copacapana Filmes e Nó de Rosa Produções. Todas as películas são dublados e os preços dos ingressos variam de R$ 4,50 a R$ 7. Confira os filmes exibidos neste sábado: 11h - Cinegibi, o filme ? Turma da MônicaCircolina e a grande rainhaPinocchio 3000 13h - O pequeno narigudoO rei e o pássaroLendas em animação 15h - Bibi, a bruxinha 17h05 - Homem Pelicano

Da ternura da beleza etérea misturada com abismo


Porque eu não tenho uma Juliette Binoche no box de meu banheiro em casa?

Millôr Fernandes

É o maior alguma coisa do Brasil. O melhor, mais atilado e completo jornalista, creio. Drama e Comédia, nos dois gêneros do jornalismo de Pindorama.

''A vida é normativa, sim, um presidente tem que ser preparado, a vida é normativa'' Millõr Fernandes

Do diletante, do ególatra, do inapto, do bajulador, do hipócrita

''Eu acho que vai ter uma hora que a gente vai ter que falar sério nesse país... Porque... não pode''

''Eu desafio quem tenha condições de discutir mais sobre ética nesse país que eu, porque... pode ter alguém tão ético, porém não há quem tenha mais moral''

''Eu acho que a questão de reeleição nesse país, não se discute, porque o que o meu Governo... vem fazendo, nenhum Governo fez na história desse nosso Brasil, portanto... o povo sabe. Não é hora para falar disso. Eu não entendo de maré''

''A questão da saúde pública passa, você meu companheiro Mitre, jornalista grande que é, passa pelo pacto social''''A reforma agrária, eu vou resolver de uma canetada só''.

Quem vocês acham que, com dedinho e olhinhos para cima, sem encarar interlocutor, falou essas asneiras todas? Lula? Ah, vocês são Cassandras (como regurgitava FHC), só proferem patuscadas (como vociferava o animal do Collor), perseguindo Governo, elites, bando de fracassomaníacos, querendo destituir tão probos homens como Zé Dirceu, Delúbio, Lula, todos humildes salários, humildes carros do ano.

Porque Voto Não

Voto“não”
José Paulo Cavalcanti Filho

Esse referendo vem fora de hora. Trocando corrupção por violência. Tirando, das vistas do povo, as CPIs e suas relações suspeitosas. Garantindo esquecimento a falsas vestais que a indignação nacional gostaria de ver processados e punidos exemplarmente.Vem fora de preço. Que em país de pobreza endêmica, como a nossa, torrar quase um bilhão assim é quase um crime.

Em outubro do próximo ano vamos ter eleição. Bastaria acrescentar, na máquina de votar, essa pergunta de agora. Só para lembrar, o que vamos decidir é a manutenção (ou não) de um artigo (35) da Lei 10.826. Uma Lei de 2003. Já esperamos dois anos. Um a mais não faria grande diferença.E vem fora de propósito.

Ninguém é contra consultas populares. Elas são fundamentais, para a democracia. E são cada vez mais comuns, em países já culturalmente maduros. A última na Austrália, por exemplo, decidiu a idade mínima do Serviço Militar. Na Suíça, foi o horário de fechar portas de hotéis, à noite.Se é para fazer consultas populares, então deveríamos começar discutindo questões mais relevantes. Por exemplo, se é decente o salário que pagamos a nossos professores. Se é justo que desempregados continuem purgando pecados que não são seus, em constrangedoras filas de hospitais públicos.

Se continuaremos aceitando, passivamente, a desnacionalização de nossas riquezas. Se nos será dado interferir na definição de políticas públicas, e responsabilizar governantes por abuso ou desvio de poder.Grave, também, é que esse debate se revela sobretudo desinformado. Vamos decidir sobre armas legalmente registradas. Apenas isso. O Governo sabe quantas são, posto que as registra. Mas não divulga o número. Essa omissão inconcebível, imperdoável, escandalosa, ultrapassa todos os limites da ética.

O que temos, nas televisões, são só estatísticas falseadas - e sem importância, para o referendo. Diz-se que seriam 15 (ou 17, ou 20) milhões de armas ilícitas. Sem que se revele quem coletou esse número, ou como se pode fazer um recenseamento assim. E mesmo sabendo que o referendo nada decidirá sobre elas. Enquanto a quantidade das armas lícitas, daquelas que o Governo sabe exatamente quantas são, aquelas a que se refere esse referendo, permanece um mistério.

Não se diz já estar revogada a lei antiga, que permitia a qualquer um adquirir armas. Apesar disso, continuam as referências ao uso de armas em incidentes de trânsito, ou bares, ou rixas – como se pudessem continuar a ser compradas, como antes. Só propaganda enganosa. Sendo certo que, em (praticamente) todos esses casos, são invariavelmente usadas armas ilícitas. E tudo continuará assim, qualquer que seja o resultado do referendo.

Também não se diz que, hoje, para poder o cidadão ter em casa uma arma, é necessário declarar sua “efetiva necessidade”, ter “comprovação de idoneidade”, “não estar respondendo a inquérito”, “ter ocupação licita”, “capacidade técnica e aptidão psicológica para seu manuseio”. Com “certificado” expedido pela Polícia Federal - e depois de autorização do Sinarm, do Ministério da Justiça.

Nem se diz que essa arma, legalmente adquirida, só pode ficar no “interior da residência”. Ou que já é “proibido o porte de arma” (salvo em casos especiais). De tudo resultando que em casas de praia, ou propriedades no interior, ou residências urbanas, estarão protegidos apenas os que tiverem rottweilers. Ou puderem pagar seguranças privadas. Os com posses. Sempre eles. O referendo tem também esse corte social perverso.

O cenário está montado para uma guerra santa. De um lado, a mistura esquisita de homens públicos em busca de notoriedade e gente de boa vontade – aqueles que, de coração, querem um “basta” à violência. Usando argumentos que não têm a ver com o referendo. A esses últimos se diga, usando palavras de Cherteston, que “o mais terrível do erro é que ele tem heróis sinceros”.Do outro lado, para a imprensa, estaria a “bancada da bala”. Todos comprados pela Taurus. Mas não são só estes, senhores.

Há igualmente, neste lado, os que também não aceitam essa violência que nos degreda. Estou à vontade para falar disso. Não sei atirar. Não tenho armas. Nem pretendo ter.Em resumo, e depois de bem refletir, apenas reconheço ser insensato recriminar quem sinta necessidade de ter em casa uma arma, para segurança sua ou de sua família. Ao menos enquanto nossa polícia não conseguir produzir segurança minimamente eficiente. Por isso votarei “não”. Sem alegria. Mas com a consciência tranqüila.

José Paulo Cavalcanti Filho é advogado e mora no Recife
jp@jpc.com.br

Referendo Não!

Referendo Não!
Na verdade, se Raul Jungmann, Chorão e Marcelo D2 estão unidos em uma causa, deve-se partir para o outro lado e encetar árdua luta contra esses rastaqueras.

A poesia de Leone sobre amizade e ambição

Era Uma Vez na América mostra com perfeição algumas complexidades do ser humano

Os críticos de cinema costumam conferir a aura de gênio ao diretor, ao metteur-em-scéne, aos poucos que conduzem, para além da mise-en-scéne, uma obra que crie mundos inesquecíveis nas mentes de seus públicos. E é interessante como realmente grandes filmes propiciam cenários e imagens únicas, de um mundo à parte, novo e original para os cinéfilos. Nessa relação entre originalidade e qualidade artística, cineastas como Stanley Kubrick, Federico Fellini, Sergei Eisenstein, Mário Peixoto e Glauber Rocha são alguns dos que foram artífices da criação de novas linguagens e estilos cinematográficos.

Sergio Leone, esse italiano conhecido como diretor/inventor do western spaghetti, produziu um cinema menos radical que alguns dos mestres das imagens, mas não deixou de legar um autoral trabalho poético para os amantes do cinema.

Em trabalhos como assistente de direção em Ladrões de Bicicleta, de Vittorio De Sicca, co-dirigindo Os Últimos Dias de Pompéia, de Mario Bonardi e fazendo algumas cenas até de Ben Hur (incluída aí a co-direção na famosa corrida de bigas), logo na década de 60 teve aberta às portas da Cinecittà, estúdio italiano que marcou época. Porém, apenas em 1983, ele realizaria o projeto de sua vida, um filme pensado durante vinte anos. Era Uma Vez na América.A película era uma superprodução ítalo-americana que conta a história de cinco amigos poeticamente mafiosos na infância e violentamente criminosos na vida adulta.

Noodles, Max, Cockeye, Patsy e Dominique, cercados por Deborah e seu irmão Fat Moe, urdem pequenos delitos no bairro onde moram, o Lower East Side, no Brooklyn, em Manhattan. Passam de bando para um organizado grupo criminoso quando ganham fama entre mafiosos locais ao terem a idéia de transportar cargas trazidas pelo mar usando sal dentro de esferas, que, viriam à tona dentro das caixas mantendo a integridade dos produtos. A forma como o diretor mostra esse fato e toda a trajetória dos infantes é entrecortada por flashbacks geniais, constantes retornos no tempo, que ao contrário do que dizem algumas críticas, não passam confusão para um espectador mais atento.

O que existe é uma sucessiva manipulação do tempo narrativo que passa pelas décadas de 20, 30 e 60. Mas, ousadia não poderia ficar de fora de um projeto de vida de um obsessivo. Um apaixonado diretor que pretendeu abertamente - e em suas próprias palavras sobre o também clássico Era Uma Vez No Oeste - captar uma dança da morte, onde teríamos um filme em que sempre houvesse a impressão que nada acabaria bem e que a morte parecesse o sonolento cão de guarda dos personagens.A mesma ambição narrativa de Era Uma Vez na América, então, tinha sido empregada no famoso western, considerado por muitos o melhor filme de Leone.

Uma violência delirante, os silêncios fascinantes e a delicada tessitura dramática pontuam a saga dos meninos do bairro judeu dos anos 20, numa espécie de visão complementar da que Coppola deu com O Poderoso Chefão. Com a fotografia majestosa do amigo, sempre parceiro, Tonino Delli Colli e amparado na peça musical da dor que é a trilha de Ennio Morricone, amigo desde tempos de colégio, Leone proporciona uma das mais belas viagens do cinema.

Com ajuda fundamental de geniais e subestimadas atuações de atores como Robert de Niro, Joe Pesci e James Woods e também as atuações inspiradas de atores desconhecidos como Elizabeth McGovern, William Forsythe e Tuesday Weld, o diretor ainda consegue fazer milagres com o elenco infantil, que têm um desempenho profundo, como os de Scott Tiler (jovem Noodles), Jennifer Connelly (jovem Deborah) e Rusty Jacobs (Max).

O cinema pode ser mais cerebral como em Orson Welles e Sergei Eisenstein, mas também pode ser apenas mágico como nos filmes de Sergio Leone. Era Uma Vez na América mostra com perfeição algumas complexidades do ser humano, evidenciando o valor da amizade, a poesia que existem em destinos humanos, mesmo sendo eles tão marcados por dor, traição e ambição.

Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America/ ITA-EUA / 1983) Dir: Sergio Leone. Com: Robert De Niro, Joe Pesci, James Woods, Danny Aiello.

A moral humana em jogo na Lavoura Arcaica

Em seu romance de estréia, Raduan Nassar apresenta o trágico ponto de ruptura das relações familiares

\"Que culpa temos nós dessa planta da infância, de sua sedução, de seu viço e constância? \", pergunta Jorge de Lima em reflexão que está na abertura de Lavoura Arcaica. De forma brilhante se resume nela o conteúdo de uma novela que fala da incompatibilidade entre a liberdade e a tradição, a clandestinidade do personagem principal e a nobreza da família, onde uma pessoa é prisioneira de um conflito cujo desfecho desde o início se anuncia trágico.É a estória de André, personagem-narrador que vai representar o avesso de uma tradicional família.

Ele parte em sua busca e sem direção, mas para longe de sua família, respondendo apenas à realidade obscura dos seus recônditos desejos, necessidades e inquietude de \"faminto\".O segredo que o protagonista carrega o faz experimentar uma vida que corre paralela a uma outra realidade irreconciliável daquela das convenções sociais e das hipocrisias da tradição aristocrática e razão dos \"saciados\". André nutre uma paixão por sua irmã Ana: \"...Desde minha fuga, era calando minha revolta (tinha contundência meu silêncio! Tinha textura a minha raiva!)...\". Além do impasse que o conflito gerava, ele se revoltava com a educação repressora e o conservadorismo do seu pai e o silêncio submisso da sua mãe para o patriarca.Na sua fuga, nos relata suas transfigurações, tem espasmos, narra a dor e a revolta com a família que o oprimia: \"... não faz mal beber, eu beberei transfigurado, essa transfiguração que há muito devia ter-se dado em casa... \".

A novela segue o fluxo de pensamento dos personagens, modelando uma narrativa que causou admiração e renovação únicas dentro da prosa brasileira. Segundo Alfredo Bosi, crítico literário e professor da USP, Lavoura foi \"uma revelação que marca a história da nossa prosa narrativa\". De certa forma, o escritor arredio, criou uma figura de mito em torno de seu nome, mas a força maior da sua escrita genial aplaca seu distanciamento e sempre o escritor foi figura aclamada por uma quase unanimidade dos críticos.

O portento de Raduan nos leva junto com André por um caminho onde conheceremos a tragédia do homem. André parte para uma fuga que não lhe livrará do destino. Sob a égide do tempo, ele vai encontrar dor e descobrirá que somos reféns do nosso destino. Com maestria, Raduan nos mostra o quanto somos impotentes diante de nós mesmos. É paira sobre toda narrativa a inexorável força da natureza incidindo em um ser humano e fazendo-o descobrir sua fragilidade. O destino e as conseqüências irremediáveis que surgem quando aflora um sentimento fora das convenções.

Lavoura é uma obra que muda a vida de seus leitores, que dispensa meias verdades e que até na dor consegue ser lúdica, pois ensina algo novo, mas não tão palpável. Coisas da alma que não são pesadas nem guiadas pela ordem natural das coisas. “Eu tinha que gritar em furor que a minha loucura era mais sábia que a sabedoria do pai. Que a minha enfermidade me era mais conforme que a saúde da família. Que meus remédios jamais foram escritos nos compêndios, mas que existia uma outra medicina”. Assim como André fala quando se coloca à margem das normalidades e diz que ergue outro equilíbrio na vida, Raduan pavimenta uma linguagem e perpetua um estilo único. Cria fluxos poéticos dentro de uma nova prosa brasileira.

Lavoura Arcaica - (1975 / Brasil). De Raduan Nassar – Editora Companhia de Letras196 págs. R$ 29,50