Friday, April 06, 2007

CONVERSA - Guinga


A liturgia musical de Guinga
Ricardo Paiva

Sem respaldo e cobertura de nenhum jornal pernambucano, sob a luz de quase nenhum holofote, senão de um programa de tv e de um entrevistador, o maior compositor brasileiro para violão e um dos maiores compositores do Brasil, teve passagem inesquecível no estado, em Jaboatão dos Guararapes. O carioca de Madureira, descendente de gaúchos, pernambucanos e paraibanos, Carlos Althier de Souza Lemos Escobar - ou como ele adora, simplesmente Guinga – deu na penúltima semana de Julho, em Teatro Artplex, preciosos minutos de suas tessituras musicais mundialmente respeitadas ao absurdo público de cinqüenta pessoas.

Se como o artista plástico Paul Klee dizia, “o gênio é um erro do sistema”, foi muito acertada a iniciativa do professor do Conservatório de Música, violonista do Noise Viola e produtor Paulo Barros, em ir contra a corrente do vulgarismo midiático e cultural, trazendo o craque violonista. O carioca de Madureira, nascido e criado no quintal do Rio de Janeiro - seu maior orgulho além de ser brasileiro, como ele acentua, com muito orgulho revelou que, por possuir origem paraibana por parte de mãe, alguns primos e tias acolhiam-no em inesquecíveis visitas a Paraíba e Recife.

A cidade para onde o dentista de formação apenas veio duas vezes no exercício da outra profissão faz parte do imaginário de infância, época onde estão as nossas mais importantes lembranças, segundo Guinga. É assim de forma emocional que ele estuda seu violão e assim, desabridamente, embargou a voz, lembrou do avô lhe educando pela audição do rádio, declamou poema e louvou os nossos Capiba, Ariano Suassuna e seus mil amigos de violão como Lalão, Canhoto da Paraíba, a descoberta Marcos Tardelli (“O maior gênio do violão no Brasil, já aos 26 anos, dos maiores violonistas em todos os tempos em futuro próximo’’),Heraldo do Monte, Henrique Cazes, Yamandu Costa e Henrique Annes.

Em seu conhecimento musical espantoso, teceu elegias para Sivuca, Chico Buarque, Bach, Tchaikovsky, Prokofiev, Villa-Lobos, Guiomar Novaes, Nelson Freire, sua última obsessão Stravinski (a quem ouve incessantemente nesse ano) e para a música brasileira, carioca, paraibana, pernambucana, instrumental, de câmera, a operística e qualquer outra música de qualidade.

Seguindo a máxima do poeta que dizia que o verdadeiro gênio exerce a simplicidade, ele conversou com a reportagem antes do show já histórico, pouco divulgado, com público escasso, mas com cem por cento do público orando reverente em uma hora e meia. A profissão de fé da música, em suas melodias brancas e refinadas, apontadas por Chico Buarque como a melhor música feita no país, feitas por um homem de música popular tido por Ed Motta como maior compositor popular do mundo e que segundo Hermeto de Pascoal, só aparece de cem em cem anos.


GUINGA

1)O Brasil é o país do violão e de grandes instrumentistas como Baden Powell, Heraldo do Monte, Henrique Cazes,no Nordeste, Dominguinhos, o Sivuca. Aqui em Pernambuco, temos no violão Henrique Annes, Canhoto da Paraíba e somos um país que tem Nelson Freire ao piano, tivemos Guiomar Novaes. Porque ainda há pouco sucesso comercial para música instrumental, a erudita ou a popular um pouco mais refinada?

O que existe é música de qualidade, seja choro, ópera, concerto, samba, música popular, clássica. Hoje, o público não tem culpa, o rádio vulgariza muito e deforma todo o processo musical que deveria passar longe do mercado, numa ligação comoo rádio estabelecia com o ouvinte no passado, onde eu, filho de um sargento e uma empregada doméstica, tinha no colo do meu avô, apenas pelo rádio, lições de Prokofiev, Chopin, Villa-Lobos, Jacob do Bandolim, Garoto, Bach, Capiba e centenas de gênios.

2)A Biscoito Fino, a Velas, são realmente heróicas ou realmente existe espaço para outras gravadoras que não trabalhem com esse estratagema de lucros e sem investir no artista?

Eu acho que sim, mas o problema todo passa pela rádio e a educação, o povo é muito maltratado. Ninguém hoje mais tem acesso à música de qualidade. Infelizmente, temos que dizer que as rádios hoje em dia só tocam vulgaridades.

3)Melodia Branca é um título de composição sua que acho que define o tipo de música que você faz, uma luz ou uma porta para quem se dispõe a abrir. Nem todos vêm uma beleza fácil, é música popular brasileira, mas para um público desacostumado com uma certa liturgia do ouvir, sua música é apontada como difícil. Como você analisa?

Eu sou um cara guiado pela emoção, que desde que sentava com o avô e escutava rádio, ouvia meu tio tocando violão, ouvia de tudo e buscava tocar o violão, buscava essa emoção dessa coisa fenomenal que é a música, que é minha amante pela vida toda.

4)Quais foram as grandes sinfonias e trilhas sonoras da vida do Carlos Althier de Souza Lemos Escobar, além de seu maior ídolo Villa-Lobos, a quem Ricardo Cravo Albin definiu como um gênio que fazia uma música “que acelerava o ritmo”?

(Com a voz embargada e olhos cheios d´água) O Villa-Lobos não é um compositor. Compositor gênio é Chico, foram Tom Jobim, Radamés Gnatalli, Villa-Lobos foi um fenômeno da natureza, um monstro, um colosso, é para toda a vida. A rádio e minha educação familiar me permitiam tudo de nobreza musical, porque apesar da pobreza, meu pai fazia questão de me chamar em um canto e me mostrar “Olhe filho, que obra-prima, olha que beleza de composição e de música”. Eu ouvia Chopin, meu pai gostava muito de Chopin, ouvia meu preferido Bach, o compositor mais extraordinário do Brasil e um dos grandes do mundo que foi Villa-Lobos, ouvia Prokofiev como falei, Garoto, o maior compositor para violão em todos os tempos, Antônio Carlos Jobim, Tchaikovsky e mais recentemente, eu tenho obsessão em ouvir Stravinski. Além de tanta gente que eu ia esquecer de citar.


5)Caetano Veloso uma vez disse que o violão de Milton Nascimento era um mistério. Eu não sei então como classificar o seu, tamanha sofisticação. Como você chegou a ele, tanto como virtuose quanto na sutileza de suas composições?

Eu faço música popular, eu sou um compositor de canções, eu sempre quis que minhas músicas fossem sofisticadas não no pior sentido de inacessível, eu sou um cara que faz com todo respeito ao trabalho, música popular e canções. Garoto, Canhoto, João Pernambuco, Henrique Annes, Heraldo do Monte, Dino Sete Cordas, Jacob do Bandolim, Rafael Rabello que era meu amigo, Marcos Tardelli, o jovem gênio do violão que acaba de gravar cd com minhas músicas, Lalão, um dos pernambucanos que admiro extremamente,como os gênios Capiba, Nelson Ferreira, Bozó, Baden Powell, Andrés Segovía, Marcos Pereira, toda essa gente melhor do que eu é minha música.

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