Ruy Guerra : A Estética entre Vôos e Rigores de Linguagem
“La moda es la manada; lo interesante es hacer lo que a uno le de la gana” (Luis Buñuel)
“É preciso estar sempre à beira do precipício”
(Ruy Guerra)
Ricardo Paiva
A onda da nouvelle vague francesa foi das mais notáveis influências do cinema moderno nas gerações seguintes de cineastas no mundo todo. Proporcionalmente, tamanha importância se equipara e muitas vezes transpõe as escolas e correntes cinematográficas de Eisenstein e a montagem russa, a griffithiana de D.W.Griffith e toda sua revolução invenção da narrativa cinematográfica, bem como do cinema americano mudo. O cinema novo instaura-se conteporânea à nouvelle vague, extraindo dela influências e liberdades de filmar, mas expandindo aceleradamente e num contexto de caos nacional brasileiro de ditadura e miséria todas as possibilidades narrativas.
Se o cinema moderno dessas escolas – também de muitas cinematografias e outras escolas modernas, como o Cinema Novo Japonês - pode ser demarcado por um aspecto, ele consiste no tratamento visual se antepondo à narrativa convencional americana.
É nesse quadro que se insere os cinemanovistas como Nelson Pereira dos Santos (com antecessores do movimento como Rio, Quarenta Graus, Rio Zona Norte e o clássico Vidas Secas) Joaquim Pedro de Andrade (Cama de Gato, Macunaíma, Garrincha, Alegria do Povo), Glauber Rocha (Barravento, Deus e o Diabo na Terra do Sol, Dragão da Santa Maldade Contra o Grande Guerreiro , Terra em Transe), Paulo Cesar Sarraceni (Arraial do Cabo, Porto das Caixas, O Desafio) e fulguramente o inquieto Ruy Guerra, que realizou o marco do Cinema Novo Os Cafajestes em 1962, lembrado por Glauber Rocha como algo de muita qualidade, ousado, criativo, corajoso, sobre drogas, miséria, curra, onde metade da platéia adorava e outra metade odiava, mas não ficava-se indiferente .
Ruy Guerra desde o que foi em desacordo quando da época da criação do Instituto Nacional do Cinema concentrado mais para bahianos e paulistas, passando pelo crítico com restrições à visão mítica de Glauber – mesmo que as brigas e discordâncias sempre vinham acompanhadas de profunda admiração das duas partes – até o hoje realizador ainda na ativa, é cineasta que radicaliza seus princípios de filmar buscando caminhos pela imagem, pela estética arrojada, em constante ebulição e invenção, como podemos provar ao ver dois de seus últimos filmes, os criticados Estorvo e Veneno da Madrugada. Assim como na época de Os Cafajestes e Os Fuzis, o diretor não se enquadra às críticas nem ao gosto crítico muito menos popular e segue uma carreira profícua e extremamente talentosa e ousada.
Mesmo dentro do começo dos anos 60, esse moçambicano nascido em 1931, estudioso no IDHEC da França de 52 a 54, esse cineasta, editor, fotógrafo de seus filmes e ainda letrista, escritor, compositor e hoje professor coordenador do Departamento de Cinema na Universidade Gama Filho no Rio de Janeiro, assumiu a tarefa de ser, talvez, o esteta mais radical dos cinemanovistas.
Além disso, atuou em diversas frontes artísticas, seguindo sua perspectiva humanista. Adaptou obras literárias de García Márquez como A Bela Palomera, Erêndira, Kuarup de Antonio Calado, Estorvo de Chico Buarque e mais recentemente o conto La Mala Hora, de novo de Garcia Márquez, sempre com a inventividade ao seu lado, junto a conhecida utopia política ainda de esquerda, ateísta e seu sentimento de mundo, usando os termos nobres de Carlos Drummond de Andrade.
Desde seu primeiro curta, o documentário Cais Gorjão, em Moçambique ainda quando era ativista estudantil e realizador amador em cinema, Ruy flertava com a denúncia social e o tom inventivo da sua perspectiva estética mesmo ao abordar o cru realismo na realidade de trabalhadores de porto que mal acampados dormiam em galpões e mal remunerados e alimentados eram pelos seus patrões, além da exploração óbvia capitalista de seus trabalhos.
Longe de ser um adepto da cosmética da fome e miséria, como cunhou a professora Ivana Bentes ao lançar polêmica tese sobre filmes nacionais correntes de exemplo principal em Cidade de Deus, Guerra já parecia comungar da ousadia e contestação quando falava que não precisava ser esteticamente mal trabalhado um filme que falasse de miséria e da feiúra habitual do tecido social injusto e da realidade desigual do Brasil .
Guerra foi bem recebido na crítica nacional, mas alcançou realmente um patamar de grande diretor de respeito internacional e mais acentuadamente na França ao lançar Os Fuzis, Palma de Ouro em Berlin em 1964. Sobre ele, Silvia Pierre citou na Cahiers du Cinema, toda uma admiração pela forma como Ruy falava de política sem conceitos pré estabelecidos e pavimentando no desenvolvimento do filme o roteiro de descobertas das realidades e injustiças do quadro social, na maneira de filmar em elipse, forma muito mais acertada de contar ao invés da simples denúncia desses aspectos. René Preval ampliava o elogio ao comentar o poder de forma quase documental ao mesmo tempo em que é um filme de ficção na realização da película .
Em Os Cafajestes, depois de Barravento, de Glauber Rocha e do antecessor e mestre de todos cineastas da época, Nelson Pereira dos Santos, foi tido como o grande propulsor da linguagem do movimento (nas restrições que sempre possamos fazer sobre o termo movimento) vindo de díspares lugares como Bahia, Rio e de São Paulo através dos estudantes e cinéfilos do Centro Popular de Cultura formatariam para suas realizações. Acrescidos de enfoque elogiosos da cultura popular brasileira, da câmera na mão ou em enquadramentos incomuns e livres mais adequados à lógica do Neo Realismo italiano – Luchino Visconti, Vittorio de Sicca, Roberto Rosselini; da Nouvelle Vague – Truffaut, Godard, Rivette, Rohmer, Resnais e do cinema verité de Jean Rouch do que qualquer outra cinematografia.
Os diretores diferiam notadamente da cinematografia americana e inglesa e até a brasileira, de certa forma aferrados à alguma forma dos pilares cinematográficos – pois formas de cinema com valorização das viagens visuais assim o eram em Eisenstein e D.W.Griffith - alguns poucos deles por essa tradição de paixão pelo cinema de imagem, eram conhecedores de produções mais raras de Flaherty e Mário Peixoto - e entregavam-se a uma atividade de propagação sociológica de denúncia social e de construção de reconhecimento da cultura e história da força do povo brasileiro. Um cinema ético, humanista, mas desobediente e inconformado.
Ruy Guerra, desde Moçambique, onde tinha atuação política, até passagens por Portugal e França e de idas e voltas ao Brasil, sempre se manteve fascinado por esse tipo de cinema. Mas, arrostado ele nunca foi, pois realizava seus filmes não abdicando de esmeros narrativos visuais mas sem se afastar de temas outros que não diretamente golpeassem a ditadura e a miséria. Assim era A Queda, Os Deuses e Os Mortos, e mais recentemente, as adaptações literárias de Gabriel Garcia Márquez em A Bela Palomera, Erêndira, Veneno da Madrugada e de Chico Buarque em Estorvo.
Mas, ainda permanecem como os pontos altos tanto narrativamente quanto visualmente falando, seus dois primeiros filmes, Os cafajestes e Os Fuzis. O primeiro ao conceber temas ousados para época, enquadramentos e fotografia pagando tributo a Antonioni, Vigo, Buñuel e Resnais, obesessões de Ruy juntamente com o diretor francês Jean Renoir e Ingmar Bergman. Com esses tipos de filmes realizador por Bergman e Renoir, porém, não conseguiria trabalhar, pois se sentia muito próximo a esses cineastas e com temas diferentes ao mesmo tempo, diria Ruy Guerra.
E para Ruy, também considerado montador e fotógrafo de parceria em seus filmes - dado a forma estilística e completa percepção de seus filmes – além do roteirista que é, na sala de edição e na composição do filme, ele retoma idéias e reescreve cenas num processo constante e interligado de repensar o filme.
Em Os Fuzis, ele mudou cenas do soldados chegando e reordenou cronologia de outras cenas, ao passo que documentava por depoimentos de figurantes ou pessoas reais, a situação humana de miséria da vila invadida por soldados que conteriam os sequiosos e famintos São algumas cenas do filme resultantes desse diálogo e processo de realização em conjunto e em constante evolução que também Ruy permite a quem está na técnica de seus filmes, com exemplos assim também em Os Cafajestes, na aceitação de sugestões de Jece Valadão, Norma Bengell e Daniel Filho.
A concepção dos personagens de Ruy Guerra, especialmente, nos marginais Os Cafajestes e replicando-se também em Os Fuzis e sua inteira cinematografia é pouco carregada em tintas maniqueístas. O Gaúcho, a consciência do ex soldado e caminhoneiro que se embebeda para soltando impropérios mandar recados para o povo até morrer pela mão dos soldados, até os próprios soldados e os marginais canalhas de Os Cafajestes, todos eles aparecem um pouco justificados pelo ambiente miserável em que vivem.
E justamente, essa perspectiva dá a seus filmes, um contorno poético maior, pois as viagens técnicas decorrentes de quando se consideram o meio, a terra, o calor, a opressão, a fome, como elementos definidores de comportamentos de homens até comuns, o humanista cineasta é que se sobressai.
E nessas perspectivas, muitos caminhos são abertos para um mal-estar e inquietação e ojeriza a aquiescência que marcam as elucubrações da câmera de Ruy. Na montagem de Os Cafajestes, alucinada, na fotografia espetacular do argentino Ricardo Aronovich em Os Fuzis, até mesmo às menos brilhantes composições exageradas de Veneno da Madrugada e Estorvo, obras recentes de Ruy, há a câmera dialogando com o tempo e os personagens, no cenário teórico da dialógica de Gilles Deleuze .
Há um rebuscamento moderno, mas sem perda do critério, com o cuidado de evitar qualquer proximidade ao falso virtuosismo, mas tudo compactado na estrutura de sejam os cenários, dunas e as praias de Os Cafajestes, a urbe violentada de Estorvo, o sertão rachado e incendiado de Os Fuzis, até a lama moral de O Veneno da Madrugada, à cultura e costumes em Kuarup, as paisagens de A Bela Palomera e aos fantasmas internos e psicologismos de A Queda. A câmera é agente de beleza intrínseca em qualquer iniciativa pensada para o cinema por Ruy. Ela é a senhora do seu cinema, mesmo que casada sempre obedecendo e combinando com o rigor estético e humanista de Ruy Guerra.
“É preciso estar sempre à beira do precipício”
(Ruy Guerra)
Ricardo Paiva
A onda da nouvelle vague francesa foi das mais notáveis influências do cinema moderno nas gerações seguintes de cineastas no mundo todo. Proporcionalmente, tamanha importância se equipara e muitas vezes transpõe as escolas e correntes cinematográficas de Eisenstein e a montagem russa, a griffithiana de D.W.Griffith e toda sua revolução invenção da narrativa cinematográfica, bem como do cinema americano mudo. O cinema novo instaura-se conteporânea à nouvelle vague, extraindo dela influências e liberdades de filmar, mas expandindo aceleradamente e num contexto de caos nacional brasileiro de ditadura e miséria todas as possibilidades narrativas.
Se o cinema moderno dessas escolas – também de muitas cinematografias e outras escolas modernas, como o Cinema Novo Japonês - pode ser demarcado por um aspecto, ele consiste no tratamento visual se antepondo à narrativa convencional americana.
É nesse quadro que se insere os cinemanovistas como Nelson Pereira dos Santos (com antecessores do movimento como Rio, Quarenta Graus, Rio Zona Norte e o clássico Vidas Secas) Joaquim Pedro de Andrade (Cama de Gato, Macunaíma, Garrincha, Alegria do Povo), Glauber Rocha (Barravento, Deus e o Diabo na Terra do Sol, Dragão da Santa Maldade Contra o Grande Guerreiro , Terra em Transe), Paulo Cesar Sarraceni (Arraial do Cabo, Porto das Caixas, O Desafio) e fulguramente o inquieto Ruy Guerra, que realizou o marco do Cinema Novo Os Cafajestes em 1962, lembrado por Glauber Rocha como algo de muita qualidade, ousado, criativo, corajoso, sobre drogas, miséria, curra, onde metade da platéia adorava e outra metade odiava, mas não ficava-se indiferente .
Ruy Guerra desde o que foi em desacordo quando da época da criação do Instituto Nacional do Cinema concentrado mais para bahianos e paulistas, passando pelo crítico com restrições à visão mítica de Glauber – mesmo que as brigas e discordâncias sempre vinham acompanhadas de profunda admiração das duas partes – até o hoje realizador ainda na ativa, é cineasta que radicaliza seus princípios de filmar buscando caminhos pela imagem, pela estética arrojada, em constante ebulição e invenção, como podemos provar ao ver dois de seus últimos filmes, os criticados Estorvo e Veneno da Madrugada. Assim como na época de Os Cafajestes e Os Fuzis, o diretor não se enquadra às críticas nem ao gosto crítico muito menos popular e segue uma carreira profícua e extremamente talentosa e ousada.
Mesmo dentro do começo dos anos 60, esse moçambicano nascido em 1931, estudioso no IDHEC da França de 52 a 54, esse cineasta, editor, fotógrafo de seus filmes e ainda letrista, escritor, compositor e hoje professor coordenador do Departamento de Cinema na Universidade Gama Filho no Rio de Janeiro, assumiu a tarefa de ser, talvez, o esteta mais radical dos cinemanovistas.
Além disso, atuou em diversas frontes artísticas, seguindo sua perspectiva humanista. Adaptou obras literárias de García Márquez como A Bela Palomera, Erêndira, Kuarup de Antonio Calado, Estorvo de Chico Buarque e mais recentemente o conto La Mala Hora, de novo de Garcia Márquez, sempre com a inventividade ao seu lado, junto a conhecida utopia política ainda de esquerda, ateísta e seu sentimento de mundo, usando os termos nobres de Carlos Drummond de Andrade.
Desde seu primeiro curta, o documentário Cais Gorjão, em Moçambique ainda quando era ativista estudantil e realizador amador em cinema, Ruy flertava com a denúncia social e o tom inventivo da sua perspectiva estética mesmo ao abordar o cru realismo na realidade de trabalhadores de porto que mal acampados dormiam em galpões e mal remunerados e alimentados eram pelos seus patrões, além da exploração óbvia capitalista de seus trabalhos.
Longe de ser um adepto da cosmética da fome e miséria, como cunhou a professora Ivana Bentes ao lançar polêmica tese sobre filmes nacionais correntes de exemplo principal em Cidade de Deus, Guerra já parecia comungar da ousadia e contestação quando falava que não precisava ser esteticamente mal trabalhado um filme que falasse de miséria e da feiúra habitual do tecido social injusto e da realidade desigual do Brasil .
Guerra foi bem recebido na crítica nacional, mas alcançou realmente um patamar de grande diretor de respeito internacional e mais acentuadamente na França ao lançar Os Fuzis, Palma de Ouro em Berlin em 1964. Sobre ele, Silvia Pierre citou na Cahiers du Cinema, toda uma admiração pela forma como Ruy falava de política sem conceitos pré estabelecidos e pavimentando no desenvolvimento do filme o roteiro de descobertas das realidades e injustiças do quadro social, na maneira de filmar em elipse, forma muito mais acertada de contar ao invés da simples denúncia desses aspectos. René Preval ampliava o elogio ao comentar o poder de forma quase documental ao mesmo tempo em que é um filme de ficção na realização da película .
Em Os Cafajestes, depois de Barravento, de Glauber Rocha e do antecessor e mestre de todos cineastas da época, Nelson Pereira dos Santos, foi tido como o grande propulsor da linguagem do movimento (nas restrições que sempre possamos fazer sobre o termo movimento) vindo de díspares lugares como Bahia, Rio e de São Paulo através dos estudantes e cinéfilos do Centro Popular de Cultura formatariam para suas realizações. Acrescidos de enfoque elogiosos da cultura popular brasileira, da câmera na mão ou em enquadramentos incomuns e livres mais adequados à lógica do Neo Realismo italiano – Luchino Visconti, Vittorio de Sicca, Roberto Rosselini; da Nouvelle Vague – Truffaut, Godard, Rivette, Rohmer, Resnais e do cinema verité de Jean Rouch do que qualquer outra cinematografia.
Os diretores diferiam notadamente da cinematografia americana e inglesa e até a brasileira, de certa forma aferrados à alguma forma dos pilares cinematográficos – pois formas de cinema com valorização das viagens visuais assim o eram em Eisenstein e D.W.Griffith - alguns poucos deles por essa tradição de paixão pelo cinema de imagem, eram conhecedores de produções mais raras de Flaherty e Mário Peixoto - e entregavam-se a uma atividade de propagação sociológica de denúncia social e de construção de reconhecimento da cultura e história da força do povo brasileiro. Um cinema ético, humanista, mas desobediente e inconformado.
Ruy Guerra, desde Moçambique, onde tinha atuação política, até passagens por Portugal e França e de idas e voltas ao Brasil, sempre se manteve fascinado por esse tipo de cinema. Mas, arrostado ele nunca foi, pois realizava seus filmes não abdicando de esmeros narrativos visuais mas sem se afastar de temas outros que não diretamente golpeassem a ditadura e a miséria. Assim era A Queda, Os Deuses e Os Mortos, e mais recentemente, as adaptações literárias de Gabriel Garcia Márquez em A Bela Palomera, Erêndira, Veneno da Madrugada e de Chico Buarque em Estorvo.
Mas, ainda permanecem como os pontos altos tanto narrativamente quanto visualmente falando, seus dois primeiros filmes, Os cafajestes e Os Fuzis. O primeiro ao conceber temas ousados para época, enquadramentos e fotografia pagando tributo a Antonioni, Vigo, Buñuel e Resnais, obesessões de Ruy juntamente com o diretor francês Jean Renoir e Ingmar Bergman. Com esses tipos de filmes realizador por Bergman e Renoir, porém, não conseguiria trabalhar, pois se sentia muito próximo a esses cineastas e com temas diferentes ao mesmo tempo, diria Ruy Guerra.
E para Ruy, também considerado montador e fotógrafo de parceria em seus filmes - dado a forma estilística e completa percepção de seus filmes – além do roteirista que é, na sala de edição e na composição do filme, ele retoma idéias e reescreve cenas num processo constante e interligado de repensar o filme.
Em Os Fuzis, ele mudou cenas do soldados chegando e reordenou cronologia de outras cenas, ao passo que documentava por depoimentos de figurantes ou pessoas reais, a situação humana de miséria da vila invadida por soldados que conteriam os sequiosos e famintos São algumas cenas do filme resultantes desse diálogo e processo de realização em conjunto e em constante evolução que também Ruy permite a quem está na técnica de seus filmes, com exemplos assim também em Os Cafajestes, na aceitação de sugestões de Jece Valadão, Norma Bengell e Daniel Filho.
A concepção dos personagens de Ruy Guerra, especialmente, nos marginais Os Cafajestes e replicando-se também em Os Fuzis e sua inteira cinematografia é pouco carregada em tintas maniqueístas. O Gaúcho, a consciência do ex soldado e caminhoneiro que se embebeda para soltando impropérios mandar recados para o povo até morrer pela mão dos soldados, até os próprios soldados e os marginais canalhas de Os Cafajestes, todos eles aparecem um pouco justificados pelo ambiente miserável em que vivem.
E justamente, essa perspectiva dá a seus filmes, um contorno poético maior, pois as viagens técnicas decorrentes de quando se consideram o meio, a terra, o calor, a opressão, a fome, como elementos definidores de comportamentos de homens até comuns, o humanista cineasta é que se sobressai.
E nessas perspectivas, muitos caminhos são abertos para um mal-estar e inquietação e ojeriza a aquiescência que marcam as elucubrações da câmera de Ruy. Na montagem de Os Cafajestes, alucinada, na fotografia espetacular do argentino Ricardo Aronovich em Os Fuzis, até mesmo às menos brilhantes composições exageradas de Veneno da Madrugada e Estorvo, obras recentes de Ruy, há a câmera dialogando com o tempo e os personagens, no cenário teórico da dialógica de Gilles Deleuze .
Há um rebuscamento moderno, mas sem perda do critério, com o cuidado de evitar qualquer proximidade ao falso virtuosismo, mas tudo compactado na estrutura de sejam os cenários, dunas e as praias de Os Cafajestes, a urbe violentada de Estorvo, o sertão rachado e incendiado de Os Fuzis, até a lama moral de O Veneno da Madrugada, à cultura e costumes em Kuarup, as paisagens de A Bela Palomera e aos fantasmas internos e psicologismos de A Queda. A câmera é agente de beleza intrínseca em qualquer iniciativa pensada para o cinema por Ruy. Ela é a senhora do seu cinema, mesmo que casada sempre obedecendo e combinando com o rigor estético e humanista de Ruy Guerra.
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