O Céu de Suely
Karim Anouiz faz convite radical para a sensibilidade
Cineasta cearense e atriz pernambucana brilham em filme onde maior força é revelar-se, de forma refinada, estranho ao olhar exótico
Ricardo Paiva
Karim Anouiz, premiado em quarenta festivais com sua estréia em longa metragem, o filme Madame Satã, utiliza a discrição radicalizada como convite na proposta de seu novo filme e após o longa de estréia, O Céu de Suely. O trabalho foi premiado em Outubro no Festival do Rio e estreou no final de Novembro, contando com a pernambucana Hermila Guedes, no papel de Hermila e o baiano João Miguel (premiado e brilhante em Cinema, Aspirinas e Urubus) como sim, João Miguel.
A formação de Karim e o que o diretor faça não advém diretamente, mas recebem pontos de contato e beleza com películas de Abbas Kiarostammi, Manoel de Oliveira, Bruno Dumont, Jia Zang-Ke, Tsai Ming-Liang, talvez Fassbinder e Tarkovsky, o cinema oriental e iraniano, preferências do diretor. Porém, na suposição que o diretor ordenou sua formação imagética de alguma forma sobre essas preferências. Na tela, simplesmente não apenas se dissecam e emulam influências, o diretor cria um estilo. Diferente de Manoel de Oliveira, por exemplo, Karim trabalha mais cinema do que a palavra.
O filme acompanha – mais sutil do que contar – a história de Hermila, que volta de São Paulo para Iguatu e sua família, numa talvez fracassada viagem em busca de chances, mas sempre esperando o namorado de lá chegar.
O filme, com essa simples e fiel súmula de história, à primeira vista é algo estranho. Mas essa limpeza e recusa a maiores ornamentos de roteiro, é necessário às consonâncias com o cinema que Karim e os realizadores citados fazem, desde a faca de dois gumes na utilização da câmara parada, no ritmo lento para os padrões de multiplex e na importância e beleza amoral da fotografia, todos esses três componentes aqui servem à Karim e sua narrativa com suave influência.
Sabe-se do processo demorado de concepção de situações de roteiro quando o diretor já é conhecido pelo esmero, porém o esmero narrativo a que se recolhe Karim é espelho pessoal e espaço de produção da decantação muito diferente que ao fim resulta num filme discreto como nenhum outro da nova cinematografia nacional. A discrição rara - que ressaltemos estão situadas numa história que trata antes de tudo de angústia e felicidade mas também de pobreza e o deserto existencial de viver num lugar paupérrimo – mais ainda corajosa no mínimo discurso, roteiro de falas e diálogos que acabam surgindo na tela.
Céu de Suely, muito diferente da obra explosiva e de viagem imagética e exposição psicológica de Madame Satã - e no que tem de mais próximo com as influências de Karim - propõe a história afetiva e os lugares cênicos como scenario em conjunto de uma construção silenciosa. O risco de Karim e outros diretores que optam por essa forma de exposição de situações podem inferir a obra um indesejado aspecto pictórico, no sentido não-cinematográfico.
Se diversos são os diretores que trabalham bem outra forma de utilizar a câmera e respeitar a exposição estudada de seus personagens em sua delicadeza, alguns erram a mão. O mesmo apelativo que é negado nessa radicalização do ritmo narrativo longe de padrões hollywoodianos, americanos e do próprio cinema moderno europeu, nas obras recentes não vem conferindo arte e potencializa perigos narrativos.
Michael Haneke, Apichatpong Sherepakul , Abbas Kiarostammi, os Irmãos Dardenne, Peter Greenway e outros realizadores – iranianos, orientais ou não - que radicalizam e trazem fórmulas interessantes que oxigenam o cinema moderno então precisam do pulso e da total noção precípua do roteiro inteiro da forma como ficará na tela.
Ao revelar em um filme inteiro não mais que os poucos enquadramentos e planos que são utilizados, para a receita não vulgarizar e criar um vazio imagético derivativo e também tributário do contemplativo vazio, o diretor deve ter total pulso do material e da técnica que revestirá seu filme. Ele é tão ciente da delicadeza de seus personagens que lembra Luchino Visconti ou qualquer um cineasta longe dispare de Anouiz, mas comum como exemplo de belo tratamento aos personagens e a encenação do filme.
Quando ele deixa os personagens passarem por Hermila Guedes, ele lhes dá profundidade, porém ela sendo foco narrativo é o esteio do filme. A escolha dos silêncios e da pouca intervenção de maneirismos narrativos abre caminho para questionarmos uma maior massa de roteiro a trabalhar pelo filme, mas na proposta de Karim ele, refinadamente, é dono de seus planos.
As ressalvas feitas ao ritmo do filme devem se enquadrar ou adequar à compreensão de que em todo o filme a opção foi definitiva e que Anouiz talvez mesmo sem querer libertou a obra para ser algo muito diferente de sua estréia com Madame Satã. O roteiro mínimo facilmente confundido em avaliações que possam questionar sua consistência é talvez chave de que os nortes do filme e sua proposta apenas são os sentimentos de Hermila, principalmente logo à cena inicial em que calada fica – e também silencia a câmera ao boicotar Hermila – questionada se tinha saudades da comida que a irmã preparava.
Karim filma o mal-estar de Hermila ao viver em Iguatu, ao mesmo tempo em que delicadamente filma as situações dos poucos personagens e das poucas Iguatus que mostra apenas em pistas carinhosas do que é a cidade. Num filme que se propõe esquecermos do diretor, o mérito alcançado é grande, pois, após seu convite àquela experiência de Karim-Hermila, a memória que fica é do que nem Hermila conhece. Nem Iguatu nem felicidade.
Cineasta cearense e atriz pernambucana brilham em filme onde maior força é revelar-se, de forma refinada, estranho ao olhar exótico
Ricardo Paiva
Karim Anouiz, premiado em quarenta festivais com sua estréia em longa metragem, o filme Madame Satã, utiliza a discrição radicalizada como convite na proposta de seu novo filme e após o longa de estréia, O Céu de Suely. O trabalho foi premiado em Outubro no Festival do Rio e estreou no final de Novembro, contando com a pernambucana Hermila Guedes, no papel de Hermila e o baiano João Miguel (premiado e brilhante em Cinema, Aspirinas e Urubus) como sim, João Miguel.
A formação de Karim e o que o diretor faça não advém diretamente, mas recebem pontos de contato e beleza com películas de Abbas Kiarostammi, Manoel de Oliveira, Bruno Dumont, Jia Zang-Ke, Tsai Ming-Liang, talvez Fassbinder e Tarkovsky, o cinema oriental e iraniano, preferências do diretor. Porém, na suposição que o diretor ordenou sua formação imagética de alguma forma sobre essas preferências. Na tela, simplesmente não apenas se dissecam e emulam influências, o diretor cria um estilo. Diferente de Manoel de Oliveira, por exemplo, Karim trabalha mais cinema do que a palavra.
O filme acompanha – mais sutil do que contar – a história de Hermila, que volta de São Paulo para Iguatu e sua família, numa talvez fracassada viagem em busca de chances, mas sempre esperando o namorado de lá chegar.
O filme, com essa simples e fiel súmula de história, à primeira vista é algo estranho. Mas essa limpeza e recusa a maiores ornamentos de roteiro, é necessário às consonâncias com o cinema que Karim e os realizadores citados fazem, desde a faca de dois gumes na utilização da câmara parada, no ritmo lento para os padrões de multiplex e na importância e beleza amoral da fotografia, todos esses três componentes aqui servem à Karim e sua narrativa com suave influência.
Sabe-se do processo demorado de concepção de situações de roteiro quando o diretor já é conhecido pelo esmero, porém o esmero narrativo a que se recolhe Karim é espelho pessoal e espaço de produção da decantação muito diferente que ao fim resulta num filme discreto como nenhum outro da nova cinematografia nacional. A discrição rara - que ressaltemos estão situadas numa história que trata antes de tudo de angústia e felicidade mas também de pobreza e o deserto existencial de viver num lugar paupérrimo – mais ainda corajosa no mínimo discurso, roteiro de falas e diálogos que acabam surgindo na tela.
Céu de Suely, muito diferente da obra explosiva e de viagem imagética e exposição psicológica de Madame Satã - e no que tem de mais próximo com as influências de Karim - propõe a história afetiva e os lugares cênicos como scenario em conjunto de uma construção silenciosa. O risco de Karim e outros diretores que optam por essa forma de exposição de situações podem inferir a obra um indesejado aspecto pictórico, no sentido não-cinematográfico.
Se diversos são os diretores que trabalham bem outra forma de utilizar a câmera e respeitar a exposição estudada de seus personagens em sua delicadeza, alguns erram a mão. O mesmo apelativo que é negado nessa radicalização do ritmo narrativo longe de padrões hollywoodianos, americanos e do próprio cinema moderno europeu, nas obras recentes não vem conferindo arte e potencializa perigos narrativos.
Michael Haneke, Apichatpong Sherepakul , Abbas Kiarostammi, os Irmãos Dardenne, Peter Greenway e outros realizadores – iranianos, orientais ou não - que radicalizam e trazem fórmulas interessantes que oxigenam o cinema moderno então precisam do pulso e da total noção precípua do roteiro inteiro da forma como ficará na tela.
Ao revelar em um filme inteiro não mais que os poucos enquadramentos e planos que são utilizados, para a receita não vulgarizar e criar um vazio imagético derivativo e também tributário do contemplativo vazio, o diretor deve ter total pulso do material e da técnica que revestirá seu filme. Ele é tão ciente da delicadeza de seus personagens que lembra Luchino Visconti ou qualquer um cineasta longe dispare de Anouiz, mas comum como exemplo de belo tratamento aos personagens e a encenação do filme.
Quando ele deixa os personagens passarem por Hermila Guedes, ele lhes dá profundidade, porém ela sendo foco narrativo é o esteio do filme. A escolha dos silêncios e da pouca intervenção de maneirismos narrativos abre caminho para questionarmos uma maior massa de roteiro a trabalhar pelo filme, mas na proposta de Karim ele, refinadamente, é dono de seus planos.
As ressalvas feitas ao ritmo do filme devem se enquadrar ou adequar à compreensão de que em todo o filme a opção foi definitiva e que Anouiz talvez mesmo sem querer libertou a obra para ser algo muito diferente de sua estréia com Madame Satã. O roteiro mínimo facilmente confundido em avaliações que possam questionar sua consistência é talvez chave de que os nortes do filme e sua proposta apenas são os sentimentos de Hermila, principalmente logo à cena inicial em que calada fica – e também silencia a câmera ao boicotar Hermila – questionada se tinha saudades da comida que a irmã preparava.
Karim filma o mal-estar de Hermila ao viver em Iguatu, ao mesmo tempo em que delicadamente filma as situações dos poucos personagens e das poucas Iguatus que mostra apenas em pistas carinhosas do que é a cidade. Num filme que se propõe esquecermos do diretor, o mérito alcançado é grande, pois, após seu convite àquela experiência de Karim-Hermila, a memória que fica é do que nem Hermila conhece. Nem Iguatu nem felicidade.
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