Friday, April 06, 2007

O Gabinete do Dr. Caligari by Bela Balázs

No cinema, o expressionismo comporta vários níveis, a começar pela expressividade do objeto, onde o estilo se compõe a partir de motivos, de ambientes e de planos de fundo estranhos, até o expressionismo puro, acabado, que nós conhecemos com O Gabinete do Dr. Caligari, uma obra que merece um capítulo especial na história do cinema. Aqui, a fisionomia e a mímica dos objetos são dotadas de uma vida tão demoníaca quanto as dos homens. No tempo do apogeu do mudo, nenhum realizador de renome teria tolerado planos de fundo neutros e sem vida, e nenhum deles deixaria de buscar refletir sobre as linhas expressivas das figuras e dos gestos humanos, segundo as formas do meio ambiente, e de entender visualmente os sentimentos humanos na atmosfera da imagem inteira. Nessa época, o expressionismo de um plano de fundo transfigurado era um dos princípios de base da cultura cinematográfica. Mas a coisa é levada tão longe em Caligari que todos os objetos do meio ambiente têm rostos e olhares como seres vivos e observam os homens. Robert Wiene, o realizador, procurou justificar de algum modo a visão do filme que lembra o delírio de perseguição lhe atribuindo por subtítulo: ‘Como um louco vê o mundo’.

Nesse filme, vemos loucos e asilos. Mas eles aparecem em imagens fantasmagóricas similares. Quem os vê assim? É manifesto que o observador do conjunto é exterior aos eventos do filme, e é também claro que o autor, o criador ele mesmo, é esse “louco” que vê assim o mundo.

O problema artístico, levantado por este filme, de um interesse excepcional e estimulante, é que com ele o cinema cessa, numa larga medida, de ser criador. Os efeitos fisionômicos interessantes não são produzidos pelo enquadramento da câmera que dá aos objetos reais seus contornos característicos, queimando de paixão. A câmera nos mostra reproduções fotográficas de quadros expressionistas totalmente prontos. Não é o enquadramento que torna antinatural ou que deforma. As casas eram pintadas por cenógrafos de teatro e montadas ao contrário no estúdio. A câmera copiou, ela não mostrou a maneira com a qual o estado de alma pessoal pode deformar a imagem dos objetos normais. A imagem filmada já era de segunda mão.”

BALÁZS, Bela. “La Variation du Cadrage », Le Cinéma – nature e évolution d’un art nouveau, Paris : Payot, 1979, pp. 97-98.

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